Críticas quanto à falta de debates públicos na definição da política e da tecnologia para o rádio digital no país levaram 11 organizações sociais a lançarem manifesto conjunto. Elas pedem um modelo que atenda às necessidades brasileiras.

A Portaria 290/2010, que marca a criação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), provocou a reação da sociedade civil desde que foi publicada no Diário Oficial, em 31 de março. As críticas que vinham sendo feitas quanto à falta de debates e de transparência por parte do Governo Federal vieram à tona num manifesto da sociedade para defender um sistema que atenda as necessidades brasileiras. O documento, assinado por 11 entidades, busca também apontar diretrizes para futuras ações.

“As entidades tiveram unidade em questões fundamentais nessa carta pública. Um veículo como o rádio, que tem grande penetração na sociedade, merece atenção e debate amplo”, ressalta Arthur William, integrante do Intervozes. Segundo ele, o Governo Federal não têm dialogado de forma eficiente com a sociedade.

Atualmente, o Ministério das Comunicações realiza testes e estudos com dois modelos de rádio digital: o HD Radio/Iboc, de propriedade da empresa estadunidense Ibiquity, e o DRM (Digital Radio Mondiale), desenvolvido por um consórcio internacional e adotado em alguns países da Europa, Índia e Rússia (ver aqui matéria sobre os estudos). Ambos os modelos apresentam vantagens e desvantagens para o Brasil. Os resultados dos testes do primeiro já foram divulgados, enquanto os do segundo não foram anunciados, embora os estudos já estejam avançados.

Isso levou ao grupo colocar como um dos pontos centrais da carta, a transparência e o controle social. De acordo com o documento, “a migração do rádio brasileiro do padrão analógico para o padrão digital e sua integração na convergência tecnológica é uma política pública de interesse do conjunto da sociedade brasileira (…). Portanto, esta política pública deve ser construída de forma amplamente democrática, ouvindo o conjunto da sociedade e garantindo ferramentas de participação popular e controle público”.

Além disso, o documento enfatiza a ampla participação do rádio no cotidiano dos brasileiros e a importância da digitalização. Para o conjunto de entidades, o SBRD deve garantir a diversidade, a educação e a cultura, além de possuir um baixo custo. O documento ressalta ainda que são necessários debates e reflexões rigorosos, pois uma conduta “automática e sem aprimoramentos tecnológicos” poderá não atender a realidade do País e ter sérias consequências.

“O que estamos buscando é a constituição de um grupo que tenha acesso às análises, aos resultados dos testes e estudos dos dois modelos”, defende a professora Nélia Del Bianco, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom ). “Nenhum dos recursos disponíveis atendem plenamente as necessidades brasileiras. Serão necessárias adaptações. O modelo escolhido permitirá adaptações? Isso precisa ser considerado”, afirma.

William, integrante do Intervozes, destaca ainda que  “o processo de escolha do padrão está ocorrendo com base em aspectos técnicos. É preciso que ocorra também no âmbito político”. De acordo com ele, as preocupações estão centradas nas tecnologias e não nas políticas públicas de criação de mais canais e com a diversidade de programação. “Essas questões precisam ser melhor discutidas. Não se pode ceder a pressões e aprovar um modelo ou outro”, argumenta.

Próximos passos – A proposta que segue à divulgação da carta é a formação de um Grupo de Trabalho para levantar todas as dúvidas e necessidades dos diversos setores da sociedade civil. A partir daí, a idéia é criar um diálogo direto com o Ministério das Comunicações. A intenção é garantir mais informações sobre o SBRD e garantir participação da sociedade na definição dos rumos.  “Queremos ser reconhecidos como atores sociais nesse processo”, diz o presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub), Orlando Guilhon.

Outro ponto defendido na carta é que o SBRD torne-se uma lei. Segundo Guilhon, isso levaria o assunto ao Congresso Nacional e o tornaria política pública. Ele acredita que essa seria uma forma eficiente de garantir que temas como pluralidade, diversidade e qualidade fossem debatidos. Guilhon lembra ainda que  “esse é um ano difícil, é ano eleitoral. Ou as políticas públicas já foram aprovadas, ou serão cozidas em banho maria. Agora vai depender do nosso trabalho”.