Levantamento do Intervozes mostra que prática é comum nas emissoras de televisão; ministério deve agir independentemente de novo decreto.

No último domingo (3/6), o jornal Folha de S.Paulo noticiou que o Ministério das Comunicações pretende proibir o arrendamento total ou parcial das outorgas dos serviços de radiodifusão. A matéria aponta a disposição do Ministério em enfrentar uma das distorções do atual sistema de concessões de rádio e TV, mas revela a falta de transparência do órgão ao fazê-lo.

O arrendamento total ou parcial das concessões e permissões de TV e rádio é prática comum e flagrantemente irregular. Levantamento do Intervozes mostra que a maioria das redes abertas vende blocos de programação para igrejas ou programas de televendas. No caso da Rede 21, o arrendamento chega a 22 horas da programação diária. Já a Rede Record tem no mecanismo a principal forma de sustentação, por meio da transferência de recursos da Igreja Universal do Reino de Deus para a emissora. Embora não esteja claro o tipo de contrato firmado e a emissora não negocie horário com outros compradores, a ilegalidade é flagrante. O formato de arrendamento total é mais comum no caso das rádios FM, em que concessionários assinam contratos de gaveta com empresários interessados em explorar os canais.

Segundo a interpretação de diversos juristas, apesar de corriqueira, a prática do arrendamento não encontra amparo na Constituição Federal e nem na legislação do setor, e já deveria ser coibida pelo Ministério das Comunicações, órgão responsável pela fiscalização das concessões.

Embora não esteja explicitamente proibida na legislação de radiodifusão, o arrendamento se configura como subconcessão, o que contraria completamente o espírito da Constituição e da legislação que regula as concessões de rádio e TV. A lógica de o objeto da concessão pública poder ser alienado sem permissão do poder concedente dá à própria emissora o poder de concessão, o que é legalmente insustentável. Apenas para fazer um paralelo, a Lei 8.987/95 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos determina que:

“Art. 26 – É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.
§ 1° A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.
§ 2° O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.”

Ainda que a lei que regule as concessões públicas busque tratar os serviços de radiodifusão como exceção, é ela que estabelece o entendimento do direito administrativo brasileiro sobre esses casos, já que a legislação da radiodifusão é omissa. Na realidade, o contrato da radiodifusão não prevê a possibilidade de subconcessão, ela não é autorizada por poder concedente e nunca é precedida de concorrência. Assim, o Ministério poderia coibir a prática sem precisar mexer nem em decreto nem em lei específica – os contratos poderiam ser estabelecidos ou renovados com cláusula que proibisse explicitamente a subconcessão total ou parcial da outorga por parte do concessionário.

A única comercialização de horário prevista em lei é a venda de espaços publicitários, limitada a 25% do tempo total de programação de cada emissora. Mesmo se o arrendamento parcial fosse entendido como venda de espaço publicitário, esse limite seria ultrapassado porque todas as emissoras ocupam mais de 25% com a soma de espaços arrendados e publicidade de fato.

Na prática, ao arrendarem sua programação, as emissoras estão fazendo negócio em cima de um espaço que não pertence a elas, mas a toda a população, e que é concedido pelo Estado com a contrapartida de prestação do serviço de radiodifusão por elas. Cria-se um mercado paralelo em que bens públicos são vendidos por agentes privados sem qualquer regulação ou autorização, configurando-se um cenário de ‘grilagem eletrônica’.

Deve-se salientar que a abertura para produção independente, prevista no artigo 221 da CF e usada muitas vezes como justificativa para a subconcessão parcial, não pode partir da venda de espaço na grade. Aliás, em todo o mundo essa prática se caracteriza pela compra de programação por parte da emissora, e não pela venda de espaço.

Os juristas Celso Antonio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato já se manifestaram sobre o tema da subconcessão. Enquanto o primeiro aponta o choque entre a prática e o artigo 175 da Constituição Federal (que prevê que serviços públicos sejam concedidos sempre por meio de licitação), o segundo produziu um parecer entendendo como de nulo efeito os atos de arrendamento.

O Ministério Público Federal já tem procedimento administrativo aberto para apurar as ilegalidades, aberto a partir de representação do jurista Fábio Konder Comparato. Também a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados já demonstrou a intenção de debater o tema. No final de 2011, a partir de iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), foi marcada uma audiência pública sobre subconcessão e arrendamento. Contudo, dos nove convidados, apenas dois compareceram – as sete emissoras convidadas boicotaram a iniciativa da comissão. Está na pauta da próxima reunião, a ser realizada na quarta dia 6, requerimento da deputada solicitando uma nova audiência pública sobre o tema.

A ressalva a se fazer neste caso é a possibilidade de o Ministério das Comunicações estabelecer um novo regulamento do serviço sem qualquer debate ou consulta pública – o que já aconteceu em recente decreto que muda o processo licitatório definido pelo mesmo regulamento – e que demonstra, infelizmente, que o órgão ainda não incorporou à sua dinâmica de trabalho práticas republicanas, regra obrigatória até para as agências reguladoras. Ainda assim, o Intervozes considera a iniciativa do Ministério das Comunicações uma oportunidade para acabar com essa prática irregular e inconstitucional e espera que o governo não recue diante de pressões dos setores interessados em manter o quadro atual.

Confira o levantamento feito pelo Intervozes a partir das grades das cabeças-de-rede.

 

LEVANTAMENTO ATUALIZADO EM 04/06/2012

 

1) Band

Dias de semana (4h37/dia):

3h às 6h45 – Igreja Mundial do Poder de Deus (3h45)

20h28 às 21h20 – Show da Fé (52 min)

Sábado (8h52)

3h às 7h – Igreja Mundial do Poder de Deus (4h)

7h-10h – Infomerciais/televendas (3h)

11h-11h30 – Infomerciais/televendas (30 min)

12h-12h30 – Poder em Cristo/Silas Malafaia (30 min)

20h28 às 21h20 – Show da Fé (52 min)

Domingo (8h30)

3h às 7h – Igreja Mundial do Poder de Deus (4h)

7h-9h30 – Infomerciais/televendas (2h30)

11h-12h – Infomerciais/televendas (1h)

12h-13h – Poder em Cristo/Silas Malafaia (1h)

Total Band = cerca de 40 horas e meia por semana

 

2) Rede 21 – 22 horas diárias para a Igreja Mundial do Poder de Deus (154 horas semanais)

3) REDE TV! (abaixo listamos os programas claramente identificados como venda de horários. Há outros na grade que podem também configurar venda, mas sobre os quais não há confirmação)

Dia de semana (7h/dia)

11h-12h – Nestlé com Você (1h)

12h-14h – Igreja Mundial do Poder de Deus (2h)

14h-15h – Assoc.Benef.Fé Renovada em Jesus Cristo (1h)

21h30-22h30 – Igreja Internacional da Graça de Deus (1h)

3h-5h (?)– Igreja da Graça no seu Lar (2h?)

Sábado (9h45)

8h15-8h45 – Igreja Presbiteriana Verdade e Vida (30 min)

8h45-10h30 – Vitória em Cristo (1h45)

10h30-11h – Igreja Pentecostal (30 min)

11h-12h – Vitória em Cristo 2 (1h)

12h00-12h30 – Assembleia de Deus do Bras (30 min)

12h30-13h – Voz da Verdade (30 min)

15h20-15h35 – PARCERIA (15′)

17h30-17h45 – Programa Parceria 5 (15′)

17h45-18h45 – PARCERIA (1h)

21h30-22h30 – Igreja Internacional da Graça de Deus (1h)

1h15-1h45 – Igreja Bola de Neve (30′)

3h00-5h – Igreja da Graça no Seu Lar (2h)

Domingo (9h05)

6h-8h – Programa Ultrafarma (2h)

8h-10h – Igreja Mundial do Poder de Deus (2h)

10h-11h50 – Deus Médico de Todos os Médicos (1h50)

14h-14h30 – Parceria (30′)

15h30-15h45 – Apeoesp (15′)

16h45-17h15 – Programa Parceria 5 (30′)

3h-5h (?) Igreja da Graça no Seu Lar (2h)

Total Rede TV = aproximadamente 54 horas semanais

 

4) TV GAZETA

(a Gazeta tem uma programação baseada em programas de infomerciais produzidos por ela mesma. Embora esses infomerciais façam a emissora passar do limite de 25% de tempo dedicado à publicidade, na conta feita abaixo listamos apenas os horários arrendados)

2ª a 6ª (5h/dia)

6h-8h – Igreja Universal do Reino de Deus (2h)

20h-22h – Igreja Universal do Reino de Deus (2h)

1h-2h – Ultrafarma (1h)

Sábado (10h)

6h-8h – Igreja Universal do Reino de Deus (2h)

14h-19h – Polishop (5h)

20h – 22h – Igreja Universal do Reino de Deus (2h)

1h-2h – Ultrafarma (1h)

Domingo (10h)

6h-8h – Igreja Universal do Reino de Deus (2h)

8h-8h30 – Encontro com Cristo (30′)

14h-20h – Polishop (6h)

0h30-1h – Polishop (30′)

1h – 2h (?) – Ultrafarma (1h?)

Total Gazeta = 45 horas semanais